Sobre o Sincretismo
Vejo o
sincretismo como um fenômeno inter-cultural, presente no intercâmbio entre
todas as culturas do planeta. Não é uma exclusividade afro-brasileira!
Talvez a
passagem da Torre de Babel possa sugerir uma boa inspiração de aceitação e
tolerância para com toda e qualquer pessoa que tenha uma cultura diferente da
nossa. Essa passagem sugere que as "diferenças" sempre tiveram uma
origem comum. O que nos falta é aceitação e tolerância, capazes de nos dar a
dignidade de sermos cristãos verdadeiros.
É engraçado:
do mesmo jeito que o povo radical do Candomblé vocifera que Yansã não é Santa
Bárbara, leio hoje um padre, entre muitos representando a Igreja Católica, argumentando
que Maria não é Yemanjá. Ora, em ambos os casos, o que está em curso, no meu
entendimento, é uma visão excessivamente "ao pé da letra"!
Não creio,
de forma alguma, nem que os fiéis populares façam uma associação tão grosseira
do ponto de vista material e histórico (sobretudo histórico), quanto mais os
fiéis "esclarecidos e letrados", como diz o padre. A comparação
histórica, por si só, é tosca demais para se levar a sério o argumento.
O foco da
questão é outro. O sincretismo se dá pela mais espontânea e natural comparação
simbólica de significados! Então a Mãe de Deus (que seja, Mãe da Igreja, tudo
bem!) é associada, e eu disse "associada" (comparada simbolicamente,
por analogia) à mãe dos humanos e dos próprios Orixás. Não consigo entender
qual a dificuldade de entender isso!
Vejo o
sincretismo com olhos não só tolerantes, como sugere o mais autêntico
cristianismo, mas, ainda mais, com muita simpatia! Muito me agrada ver que os
povos, independentemente de conhecer Jesus, tenham uma índole voltada para a
espiritualidade. Que sejam sensíveis a virtudes e valores, como a prática do bem,
da caridade, do respeito ao próximo, aos mais velhos, ao amor familiar, etc! E
isso, em termos de prática e não de teoria, muitas vezes me sensibilizou bem
mais do que o discurso - apenas discurso - de alguns cristãos "da boca
para fora".
O fato é: se
as pessoas procuram a Casa de Deus, elas procuram a Palavra de Deus! E a
Palavra de Deus é forte por si mesma, capaz de transformar a Fé e a Consciência
de qualquer pessoa. Mas o tempo do processo - ah, o tempo! - esse pertence
somente a Deus.
Cada um no
seu tempo de compreensão. Entendo que toda a pessoa que procure a Igreja, com ou
sem pipoca, deva ser acolhida igualmente, sem distinção. Isso foi o que Jesus
Cristo ensinou, quando acolheu prostitutas, leprosos, doentes, cobradores de
impostos... todos, sem distinção!
Minha única ressalva é que tudo tem limite. A missa é a
missa, e não pode ser deturpada. E quando digo que não pode ser deturpada, é em
sua essência, e não em sua forma exterior! Que ninguém entenda que estou
criticando missas com atabaques ou coisa assim. Pelo contrário! Acho isso
plenamente aceitável, dentro de um plano muito amplo de diálogo e convivência
cultural! Mas atabaques na missa caracterizam apenas uma roupagem exterior, e
isso não é importante! O que não pode ser deturpado é a missa em sua essência,
em sua estrutura interna, em seu profundo - muito profundo - significado... e
mistério! E tanto creio estar certo, que eu, morando na Bahia e frequentando as
igrejas das irmandades, nunca vi, nunca, uma missa que eu pudesse chamar de
"deturpada"! O respeito é absoluto! E dou Graças a Deus por isso.
No mais, como é belo podermos conviver como irmãos, sem
preconceito de credo, de cor, político, de orientação sexual ou seja lá o que
for! Vejo nesta postura de coração aberto o mais autêntico ensinamento de Jesus
Cristo.
Então, embora algumas pessoas muito ignorantes digam com
desprezo, ironia e uma indiscutível maldade: "ah, você é da Igreja da
Pipoca?" Sim, sou da Igreja da Pipoca, vejo isso com o coração aberto, com
muita simpatia, com vontade de entender a fé dos irmãos! Claro, isso só é possível
em São Lázaro por conta da Ordem dos Redentoristas contar com membros muito
cultos e muito esclarecidos! Que Deus sempre os ilumine com sabedoria,
tolerância, acolhimento, generosidade e, sobretudo, com humildade! Eu os
admiro!
E, mais uma vez, dou Graças a Deus por isso.
Ainda mais um ponto importante: não vejo, pessoalmente, os Orixás
como "deuses", mas sim como "forças de Deus"! Uma vez, na
porta de um Candomblé famoso, vi um guia turístico orientar um grupo falando em
inglês. Prestei atenção. Ao falar dos Orixás, eu esperava que ele se referisse
a eles como "gods" (deuses), mas para minha surpresa, ele usou a
expressão "like angels" ("como anjos")! Na minha humilde
opinião, nenhuma religião do mundo é realmente "politeísta"; todas
elas contemplam diferentes "manifestações" de Deus. Este ponto de
vista me faz mais tolerante e compreensivo com a cultura e espiritualidade de
todos os povos.
E, mais uma vez, dou graças a Deus por isso!
Atenção: este artigo expõe as ideias absolutamente
pessoais do autor, e ele, somente ele, é responsável pelos argumentos
apresentados.
Giancarlo Salvagni